sábado, 9 de abril de 2011

Vaidade - Luis Fernando Ver!ssimo

Tudo é vaidade. Não há quem não se ame. Mas, como em tudo na vida, no amor-próprio também é preciso moderação. Tome-se o caso do Silas.
Um dia encontramos o Silas no bar com o olhar perdido. Sentamos com ele e ele nem nos olhou. Aos cumprimentos - "E aí, Silas?" "Tudo certinho, Silas?" - respondeu com um gesto vago, que tanto podia ser um "Alô" quanto "Não me amolem". E continuou olhando para nada.
Achamos melhor não fazer perguntas, embora aquilo não fosse normal no Silas, que era um cara alegre. Mas com o passar do tempo o silêncio foi ficando demais. O silêncio do Silas era como uma quarta pessoa na mesa, e um desconhecido. O Manfredo não se conteve e perguntou: "Qual é?". Então o Silas revelou que estava apaixonado. Sabíamos que ele namorava a Vanda, mas aquilo dificilmente poderia ser descrito como paixão.
- Quem é? A gente conhece?
- Estou apaixonado por mim mesmo.
Eu e o Manfredo nos entreolhamos. O Silas continuou.
- Foi um negócio, assim, inesperado. Dessas coisas fulminantes. Entende? Eu já gostava de mim, claro. Quem é que não gosta? Sou um cara bacana. Não sou feio. Mas era uma coisa superficial. Nos encontrávamos no espelho, nos admirávamos. Mas éramos apenas bons amigos. Aí, há uns dois ou três dias, me olhei de uma maneira diferente.
- Fazendo a barba?
O Manfredo queria detalhes. Era um sentimental. Diziam que o Manfredo chorava vendo comercial deDanoninho.
- Me penteando. Nossos olhares se encontraram e, de repente, não foi como das outras vezes. Acho que fiquei uma meia hora só me olhando nos olhos. Desde então, não consigo parar de pensar em mim. Dormindo ou acordado, só vejo o meu rosto na minha frente. Penso nos meus gestos, nas pequenas coisas. Nesta cicatrizinha que tenho aqui...
Nisso, chegou Vanda.
- Oi, filhotes.
A Vanda era bonitinha. Morena, compacta. O Silas mal olhou para ela.
- Então, ô fossa. Continua na mesma? - perguntou a Vanda ao Silas.
- Vê se não me enche.
- Iiiih...
- A coisa é séria, Vandinha - avisou Manfredo.
- A coisa eu sei o que é. A coisa é outra mulher.
- Não é - disse o Silas.
- Pra mim tanto faz. Vê se eu me importo. Estou me lixando.
Mas ela parecia que ia chorar. Armava-se um dramalhão na mesa, e ainda era de manhã. O Manfredotentou intervir.
- Fica assim não, Vandinha. O Silas...
- Esse daí é um pilantra.
- Epa! - reagiu o Silas.
- Pilantra! Mau-caráter!
Silas começou a se levantar, mas eu o segurei. O Manfredo convidou a Vanda para dar uma volta. Ela saiu de queixo em pé.
- Ela não pode falar assim do homem que eu amo! - exclamou o Silas.
O problema, afinal, era esse. Daí a fossa.
- Você não vê? É um amor homossexual.
- Bem, tecnicamente...
- É. E eu assumo.
Todo mundo tem amor-próprio, e é sempre correspondido. Mas no caso do Silas era paixão. Paixão própria. O Manfredo chegou a temer que o Silas propusesse a si mesmo um pacto de morte. Suicídio, já que o mundo jamais compreenderia seu amor louco. Mas não. Uma semana depois o Silas e a Vandaestavam juntos de novo e até casaram. No civil, no religioso e na nossa mesa do bar, toda a turma reunida, que era para valer.
Mas eu e o Manfredo notamos que durante a cerimônia, na igreja, o Silas estava com o olhar perdido. Pensando no seu amado.

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