segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A Barrica Curandeira

  Um rapaz trabalhou durante muito tempo numa cervejaria e, quando se despediu do patrão, recebeu em recompensa pelos bons serviços uma barrica de cerveja. O moço a pôs nos ombros e partiu alegre. Mas quanto mais caminhava mais pesada ficava a barrica. O moço ia ficando cansado de carregá-la, quando cruzou no caminho com um velho de longas barbas brancas. 

- Aceitas beber um pouco desta cerveja comigo? – perguntou o rapaz. – A barrica me pesa tanto que gostaria de aliviá-la.

        - Chegas na hora certa – disse o velho. – Estou com uma sede brava.

            - E que és tu, vovozinho?

            - Sou o Destino.

- Então não quero beber contigo, porque és injusto com os homens: a uns dás alegrias e riquezas; outros deixas passar fome.

E o moço retomou o seu caminho, com a pesada barrica nos ombros. Pouco mais adiante, encontrou um sujeito de aspecto estranho.

            - Queres beber um pouco de cerveja comigo? – convidou o moço.

            - Com muito gosto, tanto mais que estou cansado e sedento – retrucou o sujeito.

            - E que és tu?

            - Sou o Diabo.

            - Sinto muito, mas não posso beber contigo. És aquele que atormenta os homens e os faz cair em tentação!

            E o moço retomou o caminho, com a barrica nas costas, cada vez mais pesada. Mas logo depois cruzou com uma velha tão esquálida que mais parecia um esqueleto.

            - Aceitas beber um pouco de cerveja comigo? – ofereceu o rapaz.

            - De bom grado – respondeu a velhota.

            - E quem és tu, vovozinha?

            - Sou a Morte.

           - Contigo eu beberei, sim. És honesta e justa com os homens, trata ricos e pobres como iguais.

            E com isso, o moço pôs a barrica no chão e fez jorrar dela a espumante e fresca cerveja, que a velha sorveu com grande prazer.

            - Nunca antes eu bebi uma cerveja tão saborosa! – exclamou a Morte, após algumas canecas. – Parece até que rejuvenesci uns dez mil anos. Para mostrar minha gratidão, vou dar-te um presentinho. A tua cerveja, de hoje em diante, curará todas as doenças e não se acabará nunca. Mas toma cuidado: quando fores atender a um doente, antes de ministrar-lhe este singular remédio, olha bem em volta – se me vires aos pés da cama, faz o doente beber a cerveja; mas, se me vires à cabeceira, nem tentes servi-la ao enfermo, pois não adiantará nada e ainda poderás te ver em maus lençóis.

            A Morte sumiu e o moço seguiu o seu caminho, com a barrica cheia, mas agora leve, nos ombros. Logo ele se pôs a bancar o médico e em pouco tempo ficou famoso e rico.

            Aconteceu, porém, que um dia a filha do rei caiu gravemente enferma e o rei prometeu metade do reino em recompensa a quem conseguisse curá-la. O dono da barrica foi chamado. Mas, ao entrar no quarto da doente, ele viu, num sobressalto, a Morte sentada numa cadeira, cochilando à cabeceira da doente. O moço não gostou da perspectiva de perder metade do reino por não poder curar a princesa e então teve uma ideia.

            Como a Morte continuava cochilando, sem se aperceber da presença do seu protegido, este mandou, em voz baixa, que os criados virassem silenciosamente a cama da moribunda, de maneira que a cadeira com a Morte ficasse junto aos pés da doente. Em seguida, fez a princesa beber a cerveja, curando-a no ato.

            - Tu me enganaste! – exclamou a Morte, ao ver frustrada a sua intenção. – Assim, eu não te devo mais nada. Estamos quites!

            - Mas eu ganhei metade do reino – regozijou-se o moço.

            - De nada te valerá tal reino – rosnou a Morte. – Agora tu me pertences, és meu! A Morte tocou-o com a mão ossuda e gelada e o curandeiro da cerveja miraculosa tombou ao chão, morto.

  História do folclore da Escandinávia recontada pela escritora Tatiana Belinky