sábado, 20 de agosto de 2011

Ao shopping center

Pelos teus círculos
vagamos sem rumo
nós almas penadas
do mundo do consumo

De elevador ao céu
de escada ao inferno:
os estremos se tocam
no castigo eterno.

Cada loja é um novo
prego em nossa cruz.
Poe mais que compremos
estamos sempre nus.

nós que pelos seus círculos
vagamos sem perdão
à espera (até quando?)
da Grande Liquidação

José Paulo Paes 

Defenestração

   Certas palavras têm o significado errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa vagamente vegetal. As pessoas deveriam criar falácias em todas as suas variedades. A Falácia Amazônica. A misteriosa Falácia Negra.
   Hermeneuta deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos. Aonde eles chegasse, tudo se complicaria.
   - Os hermeneutas estão chegando!
   - Ih, agora é que ninguém  vai entender mais nada...
   Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixariam todas a população prostrada pela confusão. Levariam semanas até que as coisas recuperassem o seu sentido óbvio. Antes disso, tudo pareceria ter um sentido oculto.
   - Alô...
   - O que é que você quer dizer com isso?
   Traquinagem devia ser uma peça mecânica.
   - Vamos ter que trocar a traquinagem. E o vetor está gasto.
   Plúmbeo devia ser o barulho que um corpo faz ao cair na água.
   Mas nenhuma palavra me fascina tanto quanto defenestração.
   A princípio foi o fascínio da ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca me lembrava de procurar no dicionário e imaginava coisas. Defenestrar devia ser uma ato exótico praticado por poucas pessoas. Tinha até um certo som lúbrico. Galanteadores de calçada deviam sussurrar no ouvido das mulheres:
   - Defenestras? 
   A resposta seria um tapa na cara. Mas algumas...Ah, algumas defenestravam.
  Também podia ser algo contra pragas e insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria, assim, defenestradores profissionais.
   Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerravam os documentos formais? "Nestes termos, pede defenestração..." Era uma palavra cheias de implicações. Devo até tê-la usado uma outra vez, como em:
   - Aquele é um defenestrado.
  Dando a entender que era uma pessoa assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada, era a palavra exata.
  Um dia, finalmente, procurei no dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa mentir. "Defenestração" vem do francês "defenestration". Substantivo feminino. Ato de atirar alguém ou algo pela janela.
   Ato de atirar alguém ou algo pela janela!
   Acabou a minha ignorância mas a minha fascinação. Um ato como esse só tem nome próprio e lugar nos dicionários por razão muito forte. Afinal, não existe, que eu sabia, nenhuma palavra para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada abaixo. Por que, então, defenestração?
   Talvez fosse um hábito francês que caiu em desuso. Como o rapé. Um vício como o tabagismo ou as drogas, suprimido a tempo.
   - Les defenestrastion. Devem ser proibidas. 
   - Sim; monsieur le Ministre.
   - São o escândalo nacional. Ainda mais agora, com os novos prédios.
   - Sim, monsieur le Ministre.
   - Com prédios de três, quatro andares, ainda era admissível. Até divertido. Mas daí para cima vira crime. Todas as janelas do quarto andar para cima devem ter um cartaz: "Interdit de defenestrer". Os transgressores serão multados. Os reincidentes serão presos.
   Na Bastilha, o Marquês de Sade deve ter convivido com notórios defenestreurs. E a compulsão, mesmo suprimida, talvez ainda persista no homem, como persiste na sua linguagem. O mundo cheio de defenestradores latentes.
   - É está a estranha vontade de atirar alguém ou algo pela janela, doutor...
   - Hmm. O impulsus defenestrex de que nos fala Freud. Algo a ver com o se preocupar - diz o analista, afastando-se da janela. 
   Quem entre nos nunca sentiu a compulsão de atirar alguém ou algo pela janela? A basculante foi inventada para desencorajar a defenestração. Toda a arquitetura moderna, com suas paredes externas de vidro reforçado e sem aberturas, pode ser uma  reação inconsciente a esta volúpia humana, nunca totalmente dominada.
   Na lua-de-mel, numa suíte matrimonial no 17º andar.
   - Querida...
   - Mmmm?
   - Há uma coisa que eu preciso lhe dizer...
   - Fala, amor.
   - Sou um defenestrador.
   E a noiva, em sua inocência, caminha para a cama:
   - Estou pronta para experimentar tudo com você. Tudo!
   Uma multidão cerca o homem que acaba de cair na calçada. Entre  gemidos, ele aponta para cina  e balbucia:
   - Fui defenestrado...
   Alguém comenta:
   Coitado. E depois ainda atiraram ele pela janela!

Luis Fernando Veríssimo.

   
   

A Pessoa Errada


   Pensando bem, em tudo o que a gente vê, e vivencia, e ouve e pensa, não existe uma pessoa certa pra gente. Existe uma pessoa, que se você for parar pra pensar, é na verdade, a pessoa errada. Porque a pessoa certa faz tudo certinho: chega na hora certa, fala as coisas certas, faz as coisas certas.Mas nem sempre precisamos das coisas certas. Aí é a hora de procurar a pessoa errada. A pessoa errada te faz perder a cabeça, fazer loucuras, perder a hora, morrer de amor. A pessoa errada vai ficar um dia sem te procurar, que é para na hora que vocês se encontrarem a entrega seja muito mais verdadeira.A pessoa errada, é na verdade, aquilo que a gente chama de pessoa certa. Essa pessoa vai te fazer chorar, mas uma hora depois vai estar enxugando suas lagrimas, essa pessoa vai tirar seu sono, mas vai te dar em troca uma inesquecível noite de amor. Essa pessoa pode não estar 100% do tempo ao seu lado, mas vai estar toda a vida esperando você.A pessoa errada tem que aparecer para todo mundo, porque a vida não é certa, nada aqui é certo. O certo mesmo é que temos que viver cada momento, cada segundo amando, sorrindo, chorando, pensando, agindo, querendo e conseguindo. Só assim, é possível chegar aquele momento do dia em que a gente diz: "Graças a Deus, deu tudo certo!", quando na verdade, tudo o que Ele quer, é que a gente encontre a pessoa errada, Para que as coisas comecem a realmente funcionar direito prá gente.
   Nossa missão: Compreender o universo de cada ser humano, respeitar as diferenças, brindar as descobertas, buscar a evolução.


Luis Fernando Veríssimo