sábado, 23 de abril de 2011

Crise

Luis Fernando Veríssimo

   Um dia você estará na praia e fará “Aaaaah…”. Epensará: vida boa. Está bem, não tão boa. Há gente morrendo de fome em várias partes do mundo, inclusive na minha vizinhança.
Gente se matando, Bolsas caindo. A Aids. O governo brasileiro. A falta de dinheiro. Mas aqui, nesta praia, sob este sol, com este ventinho de primavera correndo vez que outra pelo corpo, como caldo sendo passado num assado para ele não secar, a vida é outra coisa. Uma praia tem isto de bom. A gente tira a roupa e, de repente, está em contato com as coisas básicas da existência. Sente a areia sob os pés nus. Sente o chão do planeta. Nada entre você e a Teraa. Nem asfalto nem sola de sapato. O cheiro do mar. O cheiro antigo do mar. Quantos cheiros do nosso dia-a-dia são os mesmos cheiros que um homem primitivo conhecia? Pouquíssimos. Só os cheiros naturais. O mar, o mato, a terra molhada pela chuva, os cheiros do próprio corpo. Bom, pensará você, eu estou cheirando a loção de barbear, desodorante e creme bronzeador, coisas que o homem primitivo não usava. Se por alguma mágica eu fosse transportado neste minuto para a Pré-história, causaria uma sensação nas cavernas. Por causa do calção e dos óculos escuros, claro, mas principlamente por causa do cheiro. Os pré-homens me cercariam aspirando forte. Como eu explicaria ter o cheiro de um campo florido? Mas este cheiro de mar é o mesmo desde o começo do mundo. Quando tira a roupa na praia, o home se despe, simbolicamente, das camadas de civilização que impedem o seu contato direto com a natureza, ah! vida boa. Só não tiro o calção também porque, afinal, há as famílias. Aqui nada pode me atingir. Estou em casa, entre os elementos. Sou um molusco no meu habitat. Respiro o bom e farto oxigênio posto no mundo justamente para o meu sustento. Ninguém me consultou, mas eu não mudaria este arranjo por nada. Deus, o primeiro autocrata, fez o mundo como bem quis, sem ouvir as beses, sem plebiscito. O que, pensando bem, foi a nossa sorte, pois, se o Criador tivesse optado pelo método democrático, o universo não estaria pronto até hoje e estaríamos perdendo todos os bons seriados na TV. Vivemos no mundo como ele nos foi dado e ainda não ouvi ninguém chamar o processo de facismo divino. Eu, pelo menos, não me queixo. Acho o universo um barato e não faria o mundo diferente, apesar de concordar que certas coisas – Saturno, por exemplo, e todo o repertório de Julio Iglesias – são de gosto duvidoso. Já o morango, arco-íris, a estrutura molegular, trigal, mulher, estrela-cadente – olha, Deus: gênio. Estou bem, estou protegido. Aqui, deitado nesta areia cálida, sinto o meu planeta se mexer com a doce familiaridade de um berço embalado. Somos uma raça antiga, temos um velho acerto com esta velha bola que gira em torno do velho…
   - Você leu sobre a capa de ozônio?
   - O quê?
   - Desculpe, estava dormindo?
   - Não, não. Capa de quê?
   - Ozônio.
   - Que que tem o ozônio?
   - Descobriram que está desaparecendo.
   - Como desaparecendo?!
   - Acabando. É a capa de ozônio que filtra os raios solares e impede que eles nos façam mal. Descobriram que tem um buraco na capa de ozônio e ele está aumentando.
   E agora?, pensará você, juntando suas coisas, toalhas, revistas, família, para fugir do sol. Só faltava esta. A crise chegou à estratosfera. Emigrar para onde?

Eva

Luis Fernando Veríssimo

   Na velha questão sobre a origem da humanidade, eu defendo o meio-termo. Um empate entre Darwin e Deus. Aceito a tese darwiniana de que o Homem descende do macaco, mas acho que Deus criou a mulher. E nós somos a consequencia daquele momento trágico em que o proto-homem, deslocando-se de galho em galho pela floresta primeva, chegou à planície do Éden e viu a mulher pela primeira vez.
   Imagine a cena. O homem-macaco de boca aberta, escondido pela folhagem, olhando aquela maravilha: uma mulher recém-feita. Como Vênus recém-pintada por Boticelli, com a tinta fresca. Eva espreguiçando-se à beira do Tigre. Ou era o Eufrates? Enfim, Eva no seu jardim, ainda úmido da criação. Eva esfregando os olhos. Eva examinando o próprio corpo. Eva retorcendo-se para olhar-se atrás e alisando as próprias ancas, satisfeita. Eva olhando-se no rio, ajeitando os longos cabelos, depois sorrindo para a própria imagem. Seus dentes perfeitos faiscando ao sol do Paraíso. E o quase-homem babando no seu galho. E, com muito esforço, formulando um pensamento no seu cérebro primitivo. “Fêmea é isso, não aquela macaca que eu tenho em casa.”
   Há controvérsias a respeito, mas os teólogos acreditam que quando Eva foi criada por Deus tinha entre 19 e 23 anos. E ela reinou sozinha no Paraíso por duas luas. E, instruída por Deus, deu nome às coisas e aos bichos. E chamou o rio de rio e a grama de grama, e a árvore de árvore, e aquele estranho ser que desceu da árvore e ficou olhando para ela como um cachorro, de Homem. E quando o Homem sugeriu que coabotassem no Paraíso e começassem outra espécie, Eva riu, concordou só para ter o que fazer, mas disse que ele ainda precisaria evoluir muito para chegar aos pés dela. E desde então temos tentado. Ninguém pode dizer que não temos tentado.

O Remorso

   Luis Fernando Veríssimo

   Deus criou o mundo em seis dias, descansou no domingo e na segunda se arrependeu. Desde então, a segunda-feira ficou consagrada como dia internacional do remorso. Dia de ardência no esôfago e segundos pensamentos. De telefonar para os amigos e avisar que não nos responsabilizamos por nada dito, feito ou sugerido das seis horas de sexta-feira à meia-noite de domingo. Nem pelas ofensas nem pelos elogios.
   - Alô, Fulano? Desculpe por tudo.
   - Desculpe por quê?
   - Não sei, mas desculpe. Não lembro de mais nada depois que saímos para o Butikin.
   - Mas nós não estivemos no Butikin.
   - Então foi pior do que eu pensava. Escuta, quantos são os mandamentos?
   - Da última vez que contaram eram dez.
   - Eu só me lembro de ter desejado a tua mulher, deixa ver, levantado falso testemunho, roubado, desonrado meus antepassados por vários gerações… Até aí são quatro, só na sexta-feira.
   - Mas você me deu uma grande alegria, disse que eu era um cara sensacional e…
   - Então são cinco, menti também. Em todo caso, obrigado por me trazer em casa.
   - Mas foi você quem nos deixou em casa no seu carro.
   - Impossível, eu não tenho carro! Que noite…
   A Loteria Esportiva institualizou o remorso. Você começa se martirizando por não ter adivinhado – meu Deus, tava na cara! – que o Palmeiras empatava com o Sergipe e termina desencavando culpas arqueológicas, dando toda razão aos fados por não premiarem o seu indigno, ignóbil, pretensioso, ridículo cartão da Loteria. E a Sena, você tem certeza, só sai para os puros de espíritos. Aí você jura que não bebe, não peca e não joga, nunca mais. Ou pelos menos até a próxima quinta-feira.

O come e não engorda

   Luis Fernando Veríssimo
   Ninguém é mais admirado ou invejado do que o come e não engorda. Você o conhece. É o que come o dobro do que nós comemos e tem metade da circunferência e ainda se queixa:
   - Não adianta. Não consigo engordar.
   O come e não engorda é meu ídolo. Só não lhe peço autógrafo por inibição. Meu sonho é emagrecer e depois nunca mais engordar, por mais que tente. Quando eu diminuir, quero ser um come e não engorda.
   Não se deve confundir o come e não engorda com o enfastiado. Este pertence a outra espécie. Não é humano. Pode até ser melhor do que nós, um aperfeiçoamento, mas não é humano. Afinal, o que une a humanidade é o seu apetite comum. Não é por nada que partilhar da comida com o próximo tem sido um símbolo de concórdia desde as primeiras cavernas. Até hoje as conferências de paz se fazem em volta de uma mesa onde a comida, se não está presente, está implícita. Desconfie do enfastiado. Ele será um agente de outra galáxia ou um poço de perversões, ou as duas coisas. De qualquer maneira, mantenha-o longe das crianças. Quando encontrar alguém na frente de um prato cheio só emparelhando as ervilhas com a ponta da faca, notifique os órgãos de segurança. É um enfastiado e pode ser perigoso. Sempre achei que as pessoas que comem como um passarinho deviam ser caçadas a bodoque. O seu fastio, inclusive, é um escárnio aos que querem comer e não podem.
   Já o come e não engorda compartilha do nosso apetite, só não compartilha das conseguências. Ele repete a massa e não tem remorso. Pede mais chantily e sua voz não treme. Molha o pão no café com leite! E ainda se queixa:
- Há 15 anos tenho o mesmo peso.
   O come e não engorda só parou de mamar no peito porque proibiram sua mãe de ficar junto no quartel. Quando o come e não engorda nasceu, uma estrela misteriosa apareceu no Guide Michelin de restaurantes para aquele ano. O come e não engorda caminha sobre a sauce bernaise e não afunda. Multiplica os filés de paixe à meunière e os pães de queijo. Por onde o come e não engorda passa, as ovelhas se atiram para trás e pedem “me assa!”. O come e não engorda tem o segredo da Vida e da Morte e, suspeita-se, o telefone da Bruna Lombardi. E ainda se queixa:
    - Tenho que tomar quatro milk-shakes entre as refeições. Dieta.
Dieta! E você ali, de olho arregalado

A espada

Luis Fernando Veríssimo

   Uma família de classe média alta. Pai, mulher, um filho de sete anos. É a noite do dia em que o filho fez sete anos. A mãe recolhe os detritos da festa. O pai ajuda o filho a guardar os presentes que ganhou dos amigos. Nota que o filho está quieto e sério, mas pensa: “É o cansaço.”Afinal ele passou o dia correndo de um lado para o outro, comendo cachorro-quente e sorvete, brincando com os convidados por dentro e por fora da casa. Tem que estar cansado.
   - Quanto presente, hein, filho?
   - É.
   - E esta espada. Mas que beleza. Esta eu não tinha visto.
   - Pai…
   - E como pesa! Parece uma espada de verdade. É de metal mesmo. Quem foi que deu?
   - Era sobre isso que eu queria falar com você.
   O pai estranha a seriedade do filho. Nunca o viu assim. Nunca viu nenhum garoto de sete anos sério assim. Solene assim. Coisa estranha… O filho tira a espada da mão do pai. Diz:
   - Pai, eu sou Thunder Boy.
   - Thunder Boy?
   - Garoto Trovão.
   - Muito bem, meu filho. Agora vamos pra cama.
   - Espere. Esta espada. Estava escrito. Eu a receberia quando fizesse sete anos.
   O pai se controla para não rir. Pelo menos a leitura de história em quadrinhos está ajudando a gramática do guri. “Eu a receberia…” O Guri continua.
   - Hoje ela veio. É um sinal. Devo assumir meu destino. A espada passa a um novo Thunder Boy a cada geração. Tem sido assim desde que ela caiu do céu, no vale sagrado de Bem Tael, há sete mil anos, e foi empunhado por Ramil, o primeiro Garoto Trovão.
   O pai está impressionado. Não reconhece a voz do filho. E a gravidade do seu olhar. Está decidido. Vai cortar as histórias em quadrinhos por uns tempos.
   - Certo, filho. Mas agora vamos…
   - Vou ter que sair de casa. Quero que você explique à mamãe. Vai ser duro para ela. Conto com você para apoiá-la. Diga que estava escrito. Era meu destino.
   - Nós nunca mais vamos ver você? – pergunta o pai, resolvendo entrar no jogo do filho enquanto o encaminha, sutilmente, para a cama.
   - Claro que sim. A espada do Thunder Boy está a serviço do bem e da justiça. Enquanto vocês forem pessoas boas e justas poderão contar com a minha ajuda.
   - Ainda bem. – diz o pai.
   E não diz mais nada. Porque vê o filho dirigir-se para a janela do seu quarto, e erguer a espada como uma cruz, e gritar para os céus “Ramil!”. E ouve um trovão que faz estremecer a casa. E vê a espada iluminar-se e ficar azul. E o seu filho também.
   O pai encontra a mulher na sala. Ela diz:
   - Viu só? Trovoada. Vá entender este tempo.
   - Quem foi que deu a espada para ele?
   - Não foi você? Pensei que tinha sido você.
   - Tenho uma coisa pra te contar.
   - O que é?
   - Senta, primeiro.

A Bola

Luis Fernando Veríssimo

   O pai deu uma bola de presente ao filho. Lembrando o prazer que sentira ao ganhar a sua primeira bola do pai. Uma número 5 sem tento oficial de couro. Agora não era mais de couro, era de plástico. Mas era uma bola.
   O garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse “Legal!”. Ou o que os garotos dizem hoje em dia quando gostam do presente ou não querem magoar o velho. Depois começou a girar a bola, à procura de alguma coisa.
   - Como é que liga? – perguntou.
   - Como, como é que liga? Não se liga.
   O garoto procurou dentro do papel de embrulho.
   - Não tem manual de instrução?
   O pai começou a desanimar e a pensar que os tempos são outros. Que os tempos são decididamente outros.
   - Não precisa manual de instrução?
   - O que é que ela faz?
   - Ela não faz nada. Você é que faz coisas com ela.
   - O quê?
   - Controla, chuta…
   - Ah, então é uma bola.
   - Claro que é uma bola.
   - Uma bola, bola. Uma bola mesmo.
   - Você pensou que fosse o quê?
   - Nada, não.
   O garoto agradeceu, disse “Legal” de novo, e dali a pouco o pai o encontrou na frente da tevê, com a bola nova do lado, manejando os controles de um videogame. Algo chamado Monsters Ball, em que times de monstrinhos disputavam a posse de uma bola em forma de blip eletrônico na tela ao mesmo tempo que tentavam se destruir mutuamente. O garoto era bom no jogo. Tinha coordenação e raciocínio rápido. Estava ganhando da máquina.
   O pai pegou a bola nova e ensaiou algumas embaixadas. Conseguiu equilibrar a bola no paito do pé, como antigamente, e chamou o garoto.
   - Filho, olha.
   O garoto disse “Legal” mas não desviou os olhos da tela. O pai segurou a bola com as mão as e a cheirou, tentando recapturar mentalmente o cheiro de couro. A bola cheirava a nada. Talvez um manual de instrução fosse uma boa idéia, pensou. Mas em inglês, para a garotada se interessar.

HQ - Luis Fernando Veríssimo (III)

HQ - Luis Fernando Veríssimo (II)

Na Traseira do Caminhão

   Drauzio Varella 
   Quando eu tinha sete, oito anos, virou moda na minha rua chocar caminhão: pendurar-se na traseira do veículo e saltar na virada da esquina. Uma vez, choquei o caminhão de lixo e quando pulei na frente de casa, meu pai, que chegava do trabalho, estava parado no portão com cara de quem não gostou da gracinha. Recebi o mais detestável dos castigos: domingo inteiro de pijama na cama.
   Cabeça-dura, repeti a façanha outras vezes, até que decidi chocar a caminhonete do seu Germano, o alemão da fábrica em frente, só para me exibir para os meninos, que morriam de medo dele. Sentei na calçada ao lado da caminhonete. Dois operários puseram umas caixas na carroceria. Seu Germano, saindo para o almoço, deu a partida. Eu pendurado atrás. Infelizmente, na esquina, em vez de diminuir a velocidade ele acelerou, e me faltou coragem para pular.
   Fomos na direção do largo Santo Antônio, cada vez mais depressa, eu com os ossos batendo na lataria, morto de medo de cair. Ao chegar no largo, duas senhoras me viram naquela velocidade e gritaram para parar. Seu Germano nem ouviu. Com os braços cansados, fiz um esforço para saltar para dentro da carroceria, mas a caminhonete pulava feito cavalo bravo nos paralelepípedos da rua e eu não consegui. Tentei de novo e não deu. Mais uma vez, pior ainda. Então, fiquei apavorado. Achei que ia morrer e que meu pai ia ficar muito triste, porque ele sempre dizia: "Deus me livre, perder um de vocês".
   Talvez o medo da morte tenha me dado força na quarta tentativa: esfolei a canela inteira, mas consegui passar a perna e impulsionar o corpo para dentro. Caí no meio das caixas, com o coração disparado, e chorei. Quando a caminhonete parou na porta do seu Germano, achei melhor ficar quietinho entre as caixas, até ele voltar para a fábrica depois do almoço. Também não deu certo: ele resolveu descarregar a caminhonete e me encontrou escondido. Tomou um susto tão grande que até pulou para trás:
   — Menino dos infernos! Como veio parar aqui?
   Expliquei que só queria chocar até a esquina, mas a velocidade tinha sido tanta... Ele ficou enfezado e disse que ia contar para o meu pai. Pedi para não fazer isso porque eu ia apanhar, mas ele não se importou, falou que era merecido até. Mostrei as pernas esfoladas, ele não se comoveu. Por fim, contei dos domingos de castigo na cama. Nesse momento, brilhou um instante de compaixão no olhar dele:
   — Seu pai deixa você de pijama, deitado o domingo inteiro?
   — Só quando eu desobedeço muito.
   — Está louco! Teu pai é severo como o meu, na Alemanha. Entre na caminhonete que eu te levo de volta.
   No caminho, ele me deu conselhos e me contou do pai. Achei que os castigos do pai dele eram muito piores. O meu nunca tinha me trancado no guardaroupa a noite inteira. Seu Germano concordou em manter segredo, desde que eu prometesse nunca mais chocar veículo nenhum. Desde então, apesar do jeito bravo, ele ficou meu amigo. Quando me encontrava, às vezes dizia:
   — Não vá esquecer: menino que cumpre a palavra merece respeito.

Comunicação

Luis Fernando Verissimo

É importante saber o nome das coisas. Ou, pelo menos, saber comunicar o que você quer. Imagine-se entrando numa loja para comprar um... um... como é mesmo o nome?
"Posso ajudá-lo, cavalheiro?"
"Pode. Eu quero um daqueles, daqueles..."
"Pois não?"
"Um... como é mesmo o nome?"
"Sim?"
"Pomba! Um... um... Que cabeça a minha. A palavra me escapou por completo. É uma coisa simples, conhecidíssima." 
"Sim senhor."
"O senhor vai dar risada quando souber."
"Sim senhor."
"Olha, é pontuda, certo?"
"O quê, cavalheiro?"
"Isso que eu quero. Tem uma ponta assim, entende? Depois vem assim, assim, faz uma volta, aí vem reto de novo, e na outra ponta tem uma espécie de encaixe, entende? Na ponta tem outra volta, só que está e mais fechada. E tem um, um... Uma espécie de, como é que se diz? De sulco. Um sulco onde encaixa a outra ponta, a pontuda, de sorte que o, a, o negócio, entende, fica fechado. É isso. Uma coisa pontuda que fecha. Entende?"
"Infelizmente, cavalheiro..."
"Ora, você sabe do que eu estou falando."
"Estou me esforçando, mas..."
"Escuta. Acho que não podia ser mais claro. Pontudo numa ponta, certo?"
"Se o senhor diz, cavalheiro."
"Como, se eu digo? Isso já é má vontade. Eu sei que é pontudo numa ponta. Posso não saber o nome da coisa, isso é um detalhe. Mas sei exatamente o que eu quero."
"Sim senhor. Pontudo numa ponta."
"Isso. Eu sabia que você compreenderia. Tem?"
"Bom, eu preciso saber mais sobre o, a, essa coisa. Tente descrevê-la outra vez. Quem sabe o senhor desenha para nós?"
"Não. Eu não sei desenhar nem casinha com fumaça saindo da chaminé. Sou uma negação em desenho."
"Sinto muito."
"Não precisa sentir. Sou técnico em contabilidade, estou muito bem de vida. Não sou um débil mental. Não sei desenhar, só isso. E hoje, por acaso, me esqueci do nome desse raio. Mas fora isso, tudo bem. O desenho não me faz falta. Lido com números. Tenho algum problema com os números mais complicados, claro. O oito, por exemplo. Tenho que fazer um rascunho antes. Mas não sou um débil mental, como você está pensando."
"Eu não estou pensando nada, cavalheiro."
"Chame o gerente."
"Não será preciso, cavalheiro. Tenho certeza de que chegaremos a um acordo. Essa coisa que o senhor quer, é feito do quê?"
"É de, sei lá. De metal."
"Muito bem. De metal. Ela se move?"
"Bem... É mais ou menos assim. Presta atenção nas minhas mãos. É assim, assim, dobra aqui e encaixa na ponta, assim." 
"Tem mais de uma peça? Já vem montado?"
"É inteiriço. Tenho quase certeza de que é inteiriço."
"Francamente..."
"Mas é simples! Uma coisa simples. Olha: assim, assim, uma volta aqui, vem vindo, vem vindo, outra volta e clique, encaixa."
"Ah, tem clique. É elétrico."
"Não! Clique, que eu digo, é o barulho de encaixar."
"Já sei!"
"Ótimo!"
"O senhor quer uma antena externa de televisão."
"Não! Escuta aqui. Vamos tentar de novo..."
"Tentemos por outro lado. Para o que serve?"
"Serve assim para prender. Entende? Uma coisa pontuda que prende. Você enfia a ponta pontuda por aqui, encaixa a ponta no sulco e prende as duas partes de uma coisa."
"Certo. Esse instrumentos que o senhor procura funciona mais ou menos como um gigantesco alfinete de segurança e..."
"Mas é isso! É isso! Um alfinete de segurança!"
"Mas do jeito que o senhor descrevia parecia uma coisa enorme, cavalheiro!"
"É que eu sou meio expansivo. Me vê aí um... um... Como é mesmo o nome?"

sexta-feira, 22 de abril de 2011

HQ- Luis Fernando Verissimo








Segredinhos Milenares...

Ai! Mulheres, seres desconhecidos até pela ciência! Como isso é possível? Simples. São mulheres! As coisas mais absurdas são possíveis para elas...
Por que estou falando isso? Porque estou comentando sobre uma mulher! Aliás, a todas que leram meus artigos! Vocês, homens, companheiros, repararam que mais as elogiei do que brinquei. Eu falei que são inteligentes, parecem um computador, são diferentes e muitas outras qualidades e ela vem brigar!
Eu também sou bem idiota! Falo, falo e falo sobre mulheres, sabendo que são vingativas, além de cruéis! Bom, já que estou aqui, vou me aprofundar mais!
Então hoje vou falar mais coisas, responder umas coisinhas e “tals”.

Vou começar falando um pouco mais sobre mulher no volante (que realmente é um perigo constante) e explicarei um pouco mais.
Ok, para começar bem, vamos fazer outra continha? Vamos lá:

  Mulher no carro... Maquiagem no carro...
Vocês querem que eu explique? Eu explico! Na resposta da minha amigona, foi declarado que a culpa é da maquiagem! Então, fiz uma continha, pra mostrar o que ela quis dizer! Mas, a culpa não é da maquiagem não! A culpa é da vaidade extremamente elevada da mulher ! O batom é só um detalhezinho para o embelezamento e, para dar a “desculpinha” ela falou também do trânsito! 
Bem, olhem só do que é formado o cérebro da mulher:
Vocês repararam? A maior parte do cérebro da mulher é formado por vaidade! Essa é a razão de todos os problemas!

Bom, para não ficar tão mal para o meu lado, vou mostrar o cérebro do homem:
Agora vou falar sobre a vingança delas, como e quando elas estão irritadas, fazem loucuras. Vou fazer outra continha.
 Bom, quando a mulher estiver nervosa, não fale NADA! Senão acontece o mesmo com o carinha do exemplo!
Dicas: JAMAIS fale para uma mulher que ela está de TPM quando ela estiver um pouco irritada. Acredite, você morre. Não faça gracinhas, não tente fazê-las rir! E outra coisa: faça tudo o que ela pedir! Não se sabe que “armas” ela tem na mão.
Não tente agradá-las! Deixe-as sozinhas.
Tem muitas outras coisas, mas preciso falar sobre o item que comecei: A VINGANÇA!
Esse é um assunto delicado e posso dizer que sou especialista. 
Bom, mulher consegue planejar vinganças impressionantes, sobre isso já falei em outros textos. Se você leu a resposta da Cicera Eduarda , você deve ter conseguido entender! Sem dúvida, ela ou outras irão me rebater, mas sinceramente, não ligo! Gosto mesmo é de falar a verdade sobre elas. E com certeza, por essa revelação vou apanhar muito! Mesmo assim não ligo.
Jamais deixarei de revelar os segredos milenares do sexo feminino aos pobres homens que mal sabem a complexidade do mundo delas!
Depois dessa frase extremamente poética, vou terminar meu artigo. Até o próximo!

Por que as meninas batem tanto?

Parte I

Pesquisas sobre essa questão já estão sendo realizadas. Cientistas estão se reunindo. Hipóteses sobre o assunto foram criadas.

Até o momento, só se sabe que a mulher tem um tipo de hormônio, um tipo raro, que se parece mais com um vírus. Começou em uma mulher, e foi se alastrando. O lugar onde está mais grave é a E.E. Profº Newton Pimenta Neves, em Campinas, SP , Brasil.

Foi apelidado de “Hormovirus”, mas seu nome é em latim: “Nervosismus Extreme in Homen”, que no português ficaria: “Nervoso ao extremo para com os homens”.

O hormônio funciona da seguinte maneira: ao ouvir algo, elas assimilam na mente. O que ouve de outras mulheres é deletado. Porém com o homem é diferente. A mais insignificante coisa que ele disser vai virar uma ofensa, provocando ódio e vontade de bater. Sem conseguir controlar, elas batem sem dó. O “hormovirus” é que faz isso.

A sorte é que o hormônio é destruído por um processo natural do corpo ao se desenvolver. Mas o que acelera a “morte” do hormônio é um outro, chamado de: “Amore Extreme in Homen”, que no português ficaria: “Amor ao extremo pelos homens”. Esse , faz com que a mulher fique apaixonada bem mais rápido. É como se fosse amor à primeira vista.

Em entrevista, o diretor da pesquisa afirmou que esse hormônio nervoso vai dos 12 aos 14 anos e do amor vai dos 14 aos 17 .

Parte II 
  
Entendendo as mulheres...
O homem vem tentando entender as mulheres desde os primórdios : fracasso. Até pouco tempo todos pensavam que era impossível entender esse ser tão complexo. Mas eu consegui, pelo menos um pouco de como elas são. Algumas estatísticas apontam que só depois que o homem chegar em alguns planetas é que ele entenderá - ou só começará - por completo as mulheres.

O fato é que, com minha convivência de 12,6 anos com mulheres, sejam elas amigas ou parentes, eu consegui descobrir coisas...

Vou colocar as perguntas mais comuns e intrigantes que os homens têm.

1-Por que elas falam tanto?

Não é tão simples quanto parece. Muitos homens pensam que é só porque Deus deixou cair um rádio na hora de criá-la e resultou nisso: um ser extremamente falante. Mas não é.

Pesquisei em muitos lugares, recolhi depoimentos, até de um caso de uma mulher que foi parar no hospital de tanto falar. A mandíbula da coitada não resistiu a tanta conversa. Trágico...

Mas voltando ao que realmente interessa... O caso é que as mulheres têm o cérebro mais desenvolvido do lado que é responsável por fazê-la falar e sua mandíbula também é muito resistente. Tudo bem que às vezes, por ser muito desenvolvido, 98% do que elas falam , pelo menos para nós homens, é jogado fora.

Resumindo: Por mais que tentemos fazer pará-las de falar, nada vai mudar. Elas não se cansam nunca. Desistam se tinham algum plano de ser o primeiro homem no mundo a deixá-la sem falar por mais de 5 segundos na frente de amigos e parentes.

Eu só quero pedir um favor para alguém que souber me responder: como duas mulheres conseguem uma conversar com a outra sem que nenhuma das duas pare para ouvir?

2-Como conseguem ouvir até cinco pessoas ao mesmo tempo e responder cada uma certinho?

Está comprovado. Para o homem isso é totalmente impossível. E está comprovado também que a mulher está na frente do homem no critério cérebro (agora elas gostaram!).

A mulher tem um mecanismo extremamente inteligente que consegue detectar o rosto da pessoa que está falando e suas palavras, conseguindo assim guardar até 1000 palavras ao mesmo tempo e formular uma resposta em segundos. Mais um pouco elas ultrapassam o computador. Já pode se dizer que elas são uma espécie de um “Sub-Computador”.

Acabei de ficar sabendo que o numero de armazenamento de palavras por pessoa não para de crescer. Eu só espero que elas, com tanta inteligência, não criem um “Sub-Mundo”, onde os homens serão seus escravos. O pior é que acabei de dar a idéia!

3- Como elas acreditam em todas as mentiras dos homens?

Isso contraria a idéia que, provavelmente, deu muita alegria em muitas mulheres de se vingar (não sei do que) dos homens. O caso é que, se elas criarem o tal “Sub-Mundo”, os homens irão inventar mentiras bem convincentes e conseguirão escapar. Mas a conversa aqui não é sobre planos malvados, é sobre mulheres e seus mistérios.

Agora vamos falar um pouco sobre homens, vamos dar uma pequena invertida, tudo para que você, leitor, possa entender bem claro.

Bom, o homem, apesar de pouco inteligente (sem ofensas, até porque eu também sou homem), ele consegue enganar o ser mais pensante e inteligente existente: A Mulher! Isso ocorre por causa de um hormônio masculino, nada de bater, como ocorre nas mulheres, que conseguem planejar tão rápido a desculpa e mentira que chega à velocidade da luz. Ele envia informações tão rápidas ao cérebro como se fosse informações mais utilizáveis, o homem poderia ultrapassar as mulheres. Mas isso só daqui a muito tempo, acho que não vou viver para ver isso. Muito triste. Aqui, podemos concluir que, a mulher apesar de extremamente inteligente, ainda não tem uma proteção contra as chamadas “Mentiras Masculinas”. Nessa parte o homem supera a mulher. Mas não devíamos ficar muito alegres, pois levar o titulo de “O Grande Mentiroso” não é muita honra.

4-Por que o homem, por mais feio , com um carro, as mulheres enxergam um “deus grego”?

Isso é uma coisa muito comum. Já existe até nome popular a isso: “Maria Gasolina”. Mas o principal, e é o que muita gente não pensa, é que a mulher é um ser extremamente interesseiro e materialista. A mulher, ao ver um homem andando ,não vê nada e se é feio, pior ainda!. O que nos leva a outro ponto: Por que são tão exigentes? Mas isso , veremos em outra ocasião.

Voltando... Mas se esse feio estiver com num carro? Pronto. Conquistou! Claro que não vamos generalizar, nem todas olham para um homem numa Brasília... Fusca...! Sem ofensas é claro!

Para que você possa entender, vou mostrar uma forma bem simples, com imagens. Acompanhe.



Explicando a imagem: a mulher vê um feio. Noutro dia, esse mesmo feio aparece com o carro da imagem, e como num processo ela enxerga o “deus grego”. No ponto de vista delas , é claro. Para nós homens, ele não é nada só um homem!

Com isso podemos entendê-las !

“Mulher, o ser mais imprevisível, inexplicável, impossível, inutilizá-la... Ah, não! São utilizáveis sim! Pelo menos para duas coisas...”
Observação final: Mulheres, não fiquem bravas comigo. Apenas constatei uma verdade. Vejam pelo lado bom! Eu mais elogiei vocês que falei mal!

Logo teremos mais sobre mulheres!

Um abraço,

Mateus Freitas

A Desevolução

Como meu amigo Mateus escreveu em seu último artigo que as mulheres têm segredos milenares, saibam vocês que um deles é como saber conviver no mesmo mundo que os homens! Isso mesmo! Sério!
Qual mulher nunca xingou um homem ou bateu em um ?
Vou narrar uma história verdadeira que aconteceu comigo: Certa vez um em um enterro de um amigo do meu pai, escutei dois homens conversando sobre o falecido e o tempo que levava para chegar a um estádio de futebol. O pouco que ouvi foi: “É cara, ele era meu melhor amigo!” – disse um deles. “Falou muito bem. O que é mais importante? Um morto no caixão cheio de flores mais um monte de mulher chorando ou um jogo do Palmeiras X Corinthians que já está para começar? Você tem ingressos no camarote? Vamos beber cair, levantar, cair de novo, levantar e se divertir”! ”Eu sei, o nosso camarada ia querer isso. Que Deus o tenha”. Imediatamente, os dois saíram do enterro e foram para o estádio. O que eu quis dizer com essa vaga lembrança é que nada (menos cereja de graça), se compara a um jogo de futebol para um homem. Esse é um dos trilhões de defeitos deles. Então, caro leitor, gostaria de saber mais alguns deles?
1° Usam boné para não perder tempo penteando o cabelo;
2° Não abaixam a tampa da privada;
3° Eles chegam e perguntam para uma mulher “Tá de TPM?” Mal sabem eles que para as mulheres e a abreviação de TOCOU PERGUNTOU MORREU !;
4° Quando estão atrasados não ligam para higiene pessoal;
5° Nunca pedem informações, mesmo que estejam debaixo d’água, não assumem que estão perdidos.
6º Deixam a toalha molhada no chão do banheiro;
7º Deixam meias sujas jogadas pelo quarto;
8º Esquecem as datas importantes...
É claro que isso e só uma pequena amostra da minha imensa lista.
As mulheres têm vários segredos mas, o mais valioso e mais antigo é: Como agüentar um homem. As mulheres os tratam como bebês: lavam, passam, cozinham... e o que ganham? Nem um obrigado! Não estou afirmando que eles não nos valorizam por querer não! O que está acontecendo é a” desvolução”. Vou explicar melhor:
“Desvolução” é a evolução de trás para frente e alguns deles já estão” desvoluindo”. Os cientistas dizem que bons exemplos estão em minoria. Agora que já alertei meus queridos leitores, termino este artigo. Até o próximo!

Cícera Eduarda,6ª A

Brincadeira - Luis Fernando Verissimo

Começou como uma brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse:
- Eu sei de tudo.
Depois de um silêncio, o outro disse:
- Como é que você soube?
- Não interessa. Sei de tudo.
- Me faz um favor. Não espalha.
- Vou pensar.
- Por amor de Deus.
- Está bem. Mas olhe lá, hein?
Descobriu que tinha poder sobre as pessoas.
- Sei de tudo.
- Co-como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Mas é impossível. Como é que você descobriu?
A reação das pessoas variava. Algumas perguntavam em seguida:
- Alguém mais sabe?
Outras se tornavam agressivas:
- Está bem, você sabe. E daí?
- Daí, nada. Só queria que você soubesse que eu sei.
- Se você contar pra alguém, eu…
- Depende de você.
- De mim, como?
- Se você andar na linha eu não conto.
- Certo.
Uma vez, parecia ter encontrado um inocente.
- Eu sei de tudo.
-Tudo o quê? Você sabe.
- Não sei. O que é que você sabe?
- Não se faça de inocente.
- Mas eu realmente não sei.
- Vem com essa.
- Você não sabe de nada.
- Ah, quer dizer que existe alguma coisa para saber, mas eu é que não sei o que é?
- Não existe nada.
- Olha que eu vou espalhar…
- Pode espalhar que é mentira.
- Como é que você sabe o que eu vou espalhar?
- Qualquer coisa que você espalhar será mentira.
Começou como uma brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse:
- Eu sei de tudo.
Depois de um silêncio, o outro disse:
- Como é que você soube?
- Não interessa. Sei de tudo.
- Me faz um favor. Não espalha.
- Vou pensar.
- Por amor de Deus.
- Está bem. Mas olhe lá, hein?
Descobriu que tinha poder sobre as pessoas.
- Sei de tudo.
- Co-como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Mas é impossível. Como é que  você descobriu?
A reação das pessoas variava. Algumas perguntavam em seguida:
- Alguém mais sabe?
- Outras se tornavam agressivas:
- Está bem, você sabe. E daí?
- Daí nada. Só queria que você soubesse que eu sei.
- Se você contar para alguém, eu...
- Depende de você.
- De mim, como?
- Se você andar na linha, eu não conto.
- Certo
Uma vez, parecia ter encontrado um inocente.
- Eu sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Não sei. O que é que você sabe?
- Não se faça de inocente.
- Mas eu realmente não sei.
- Vem com essa.
- Você não sabe de nada.
- Ah, quer dizer que existe alguma coisa pra saber, mas eu é que não sei o que é?
- Não existe nada.
- Olha que eu vou espalhar...
- Pode espalhar que é mentira.
- Como é que você sabe o que eu vou espalhar?
- Qualquer coisa que você espalhar será mentira.
- Está bem. Vou espalhar.
Mas dali a pouco veio um telefonema.    
- Escute. Estive pensando melhor. Não espalha nada sobre aquilo.
- Aquilo o quê?
- Você sabe.
Passou a ser temido e respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele e sussurrava:
- Você contou pra alguém?
- Ainda não.
- Puxa. Obrigado.
Com o tempo, ganhou uma reputação. Era de confiança. Um dia, foi procurado por um amigo com uma oferta de emprego. O salário era enorme.
- Por que eu? – quis saber.
- A posição é de muita responsabilidade – disse o amigo. – Recomendei você.
- Por quê?
- Pela sua discrição.
Subiu na vida. Dele se dizia que sabia tudo sobre todos mas nunca abria a boca para falar de ninguém. Além de bem-informado, um gentleman. Até que recebeu um telefonema. Uma voz misteriosa que disse:
- Sei de tudo.
- Co-como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
Resolveu desaparecer. Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu desaparecimento repentino. Investigaram. O que ele estaria tramando? Finalmente foi descoberto numa praia distante. Os vizinhos contam que uma noite vieram muitos carros e cercaram a casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se gritos. Os visinhos contam que a voz que se ouvia era a dele, gritando:
- Era brincadeira! Era brincadeira!
Foi descoberto de manhã, assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas que o conheciam não têm dúvidas sobre o motivo.
Sabia demais.

O Lixo - Luis Fernando Veríssimo

Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
- Bom dia...
- Bom dia.
- A senhora é do 610.
- E o senhor do 612
- É.
- Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...
- Pois é...
- Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
- O meu quê?
- O seu lixo.
- Ah...
- Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
- Na verdade sou só eu.
- Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.
- É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
- Entendo.
- A senhora também...
- Me chame de você.
- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...
- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...
- A senhora... Você não tem família?
- Tenho, mas não aqui.
- No Espírito Santo.
- Como é que você sabe?
- Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
- É. Mamãe escreve todas as semanas.
- Ela é professora?
- Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?
- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
- O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
- Pois é...
- No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
- É.
- Más notícias?
- Meu pai. Morreu.
- Sinto muito.
- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
- Foi por isso que você recomeçou a fumar?
- Como é que você sabe?
- De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
- É verdade. Mas consegui parar outra vez.
- Eu, graças a Deus, nunca fumei.
- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...
- Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
- Você brigou com o namorado, certo?
- Isso você também descobriu no lixo?
- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
- É, chorei bastante, mas já passou.
- Mas hoje ainda tem uns lencinhos...
- É que eu estou com um pouco de coriza.
- Ah.
- Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
- Namorada?
- Não.
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
- Você já está analisando o meu lixo!
- Não posso negar que o seu lixo me interessou.
- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
- Não! Você viu meus poemas?
- Vi e gostei muito.
- Mas são muito ruins!
- Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
- Se eu soubesse que você ia ler...
- Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
- Acho que não. Lixo é domínio público.
- Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
- Ontem, no seu lixo...
- O quê?
- Me enganei, ou eram cascas de camarão?
- Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
- Eu adoro camarão.
- Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
- Jantar juntos?
- É.
- Não quero dar trabalho.
- Trabalho nenhum.
- Vai sujar a sua cozinha?
- Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.- No seu lixo ou no meu?

O Afogado

Fernando Sabino

- Vocês não souberam o que aconteceu com o carro dele?
Como nenhum de nós soubesse, pôs-se a contar-nos, excitado:
- Imaginem que tinha um sujeito se afogando na Praia de Botafogo e vários carros já haviam parado para ver. Ele parou atrás, junto à calçada. Então veio outro carro em disparada e bateu de cheio no dele.
- Estragou muito? – perguntou alguém da roda.
- Espere, não foi tudo: o dele, por sua vez, bateu no da frente. O da frente atropelou duas moças que iam passando. Elas ficaram feridas levemente, mas os carros ficaram completamente amassados. O dele, então, virou sanfona.
- Mas que azar! – comentou um, consternado.
- Logo aquele carro, novinho em folha! – disse outro.
- Pois foi isso: ficou em pandarecos.
- Então vai custar um dinheirão para consertar.
- Não tinha seguro? – tornou o primeiro.
- Ele não, mas o que bateu tem seguro contra terceiros: só que um seguro de cem mil não dá para cobrir o estrago de jeito nenhum.
- Além do mais, é um inferno tentar receber seguro nessas situações.
- Foi o que ele me disse. E tem os outros dois carros, que naturalmente vão pleitear parte desse seguro também.
- Mas se a culpa foi do outro, tem que pagar tudo.
- Até provar que a culpa foi do outro...
- Não houve perícia?
- Não, parece que não houve perícia.
A conversa prosseguiu entre comentários em que todos lastimavam a falta de sorte do amigo. Todos, menos eu, que me limitava a ouvir, pensativo.
- Você não disse nada – observou um deles.
É verdade, eu não disse nada, continuei calado. Não havia muito que dizer, além do que já fora dito pelos outros. Mas na realidade gostaria de saber o que foi que aconteceu com o homem que estava se afogando.

Tormento não tem idade

Moacyr Scliar
- Meu filho, aquele seu amigo, o Jorge, telefonou.
- O que é que ele queria?
- Convidou você para dormir na casa dele, amanhã.
- E o que é que você disse?
- Disse que não sabia, mas que achava que você iria aceitar o convite.
- Fez mal, mamãe. Você sabe que odeio dormir fora de casa.
- Mas, meu filho, o Jorge gosta tanto de você...
- Eu sei que ele gosta de mim. Mas eu não sou obrigado a dormir na casa dele por causa disso, sou?
- Claro que não. Mas...
- Mas o quê, mamãe?
- Bem, quem decide é você. Mas, que seria bom você dormir lá, seria.
- Ah é? E por quê?
- Bem, em primeiro lugar, o Jorge tem um quarto novo de hóspedes e queria estrear com você . Ele disse que é um quarto muito lindo. Tem até tevê a cabo.
- Eu não gosto de tevê.
- O Jorge também disse que queria lhe mostrar uns desenhos que ele fez.
- Não estou interessado nos desenhos do Jorge.
- Bom. Mas tem mais uma coisa...
- O que é, mamãe?
- O Jorge tem uma irmã, você sabe. E a irmã do Jorge gosta muito de você. Ela mandou dizer que espera você lá.
- Não quero nada com a irmã do Jorge. É uma chata.
- Você vai fazer uma desfeita para a coitada...
- Não me importa. Assim ela aprende a não ser metida. De mais a mais você sabe que eu gosto da minha cama, do meu quarto. E, depois, teria de fazer uma maleta com pijama, essas coisas...
- Eu faço a maleta para você, meu filho. Eu arrumo suas coisas direitinho, você vai ver.
- Não, mamãe. Não insista, por favor. Você está me atormentando com isso. Bem, deixe eu lhe lembrar uma coisa, para terminar com essa discussão: amanhã eu não vou a lugar nenhum. Sabe por que, mamãe? Amanhã é meu aniversário. Você esqueceu?
- Esqueci mesmo... Oh, desculpe, filho.
- Pois é. Amanhã estou fazendo 50 anos. E acho que quem faz 50 anos tem o direito de passar a noite em casa com sua mãe, não é verdade?

sábado, 9 de abril de 2011

Vaidade - Luis Fernando Ver!ssimo

Tudo é vaidade. Não há quem não se ame. Mas, como em tudo na vida, no amor-próprio também é preciso moderação. Tome-se o caso do Silas.
Um dia encontramos o Silas no bar com o olhar perdido. Sentamos com ele e ele nem nos olhou. Aos cumprimentos - "E aí, Silas?" "Tudo certinho, Silas?" - respondeu com um gesto vago, que tanto podia ser um "Alô" quanto "Não me amolem". E continuou olhando para nada.
Achamos melhor não fazer perguntas, embora aquilo não fosse normal no Silas, que era um cara alegre. Mas com o passar do tempo o silêncio foi ficando demais. O silêncio do Silas era como uma quarta pessoa na mesa, e um desconhecido. O Manfredo não se conteve e perguntou: "Qual é?". Então o Silas revelou que estava apaixonado. Sabíamos que ele namorava a Vanda, mas aquilo dificilmente poderia ser descrito como paixão.
- Quem é? A gente conhece?
- Estou apaixonado por mim mesmo.
Eu e o Manfredo nos entreolhamos. O Silas continuou.
- Foi um negócio, assim, inesperado. Dessas coisas fulminantes. Entende? Eu já gostava de mim, claro. Quem é que não gosta? Sou um cara bacana. Não sou feio. Mas era uma coisa superficial. Nos encontrávamos no espelho, nos admirávamos. Mas éramos apenas bons amigos. Aí, há uns dois ou três dias, me olhei de uma maneira diferente.
- Fazendo a barba?
O Manfredo queria detalhes. Era um sentimental. Diziam que o Manfredo chorava vendo comercial deDanoninho.
- Me penteando. Nossos olhares se encontraram e, de repente, não foi como das outras vezes. Acho que fiquei uma meia hora só me olhando nos olhos. Desde então, não consigo parar de pensar em mim. Dormindo ou acordado, só vejo o meu rosto na minha frente. Penso nos meus gestos, nas pequenas coisas. Nesta cicatrizinha que tenho aqui...
Nisso, chegou Vanda.
- Oi, filhotes.
A Vanda era bonitinha. Morena, compacta. O Silas mal olhou para ela.
- Então, ô fossa. Continua na mesma? - perguntou a Vanda ao Silas.
- Vê se não me enche.
- Iiiih...
- A coisa é séria, Vandinha - avisou Manfredo.
- A coisa eu sei o que é. A coisa é outra mulher.
- Não é - disse o Silas.
- Pra mim tanto faz. Vê se eu me importo. Estou me lixando.
Mas ela parecia que ia chorar. Armava-se um dramalhão na mesa, e ainda era de manhã. O Manfredotentou intervir.
- Fica assim não, Vandinha. O Silas...
- Esse daí é um pilantra.
- Epa! - reagiu o Silas.
- Pilantra! Mau-caráter!
Silas começou a se levantar, mas eu o segurei. O Manfredo convidou a Vanda para dar uma volta. Ela saiu de queixo em pé.
- Ela não pode falar assim do homem que eu amo! - exclamou o Silas.
O problema, afinal, era esse. Daí a fossa.
- Você não vê? É um amor homossexual.
- Bem, tecnicamente...
- É. E eu assumo.
Todo mundo tem amor-próprio, e é sempre correspondido. Mas no caso do Silas era paixão. Paixão própria. O Manfredo chegou a temer que o Silas propusesse a si mesmo um pacto de morte. Suicídio, já que o mundo jamais compreenderia seu amor louco. Mas não. Uma semana depois o Silas e a Vandaestavam juntos de novo e até casaram. No civil, no religioso e na nossa mesa do bar, toda a turma reunida, que era para valer.
Mas eu e o Manfredo notamos que durante a cerimônia, na igreja, o Silas estava com o olhar perdido. Pensando no seu amado.