sábado, 2 de abril de 2011

Clic


Luis Fernando Veríssimo

Cidadão se descuidou e roubaram seu celular. Como era um
executivo e não sabia mais viver sem celular, ficou furioso. Deu parte do
roubo, depois teve uma idéia. Ligou para o número do telefone. Atendeu
uma mulher.
— Aloa.
— Quem fala?
— Com quem quer falar?
— O dono desse telefone.
— Ele não pode atender.
— Quer chamá-lo, por favor?
— Ele está no banheiro. Eu posso anotar o recado?
— Bate na porta e chama esse vagabundo! Agora!
Clic. A mulher desligou. O cidadão controlou-se. Ligou de novo
— Aloa.
— Escute. Desculpe o jeito que eu falei antes. Eu preciso falar com
ele, viu? É urgente.
— Ele já vai sair do banheiro.
— Você é a...
— Uma amiga.
— Como é o seu nome?
— Quem quer saber?
O cidadão inventou um nome.
— Taborda. (Por que Taborda, meu Deus?) Sou primo dele.
— Primo do Amleto?
Amleto. O safado já tinha um nome.
— É. De Quaraí.
— Eu não sabia que o Amleto era de Quaraí.
— Pois é.
— Carol.
— Hein?
— Meu nome. É Carol.
— Ah. Vocês são...
— Não, não. Nos conhecemos há pouco.
— Escute, Carol. Eu trouxe uma encomenda pro Amleto. De
Quaraí. Uma pessegada, mas eu não me lembro do endereço.
— Eu também não sei o endereço dele.
— Mas vocês...
— Nós estamos num motel. Este telefone é celular.
— Ah.
— Vem cá. Como é que você sabia o número do telefone dele? Ele
recém-comprou.
— Ele disse que comprou?
— Por quê?
O cidadão não se conteve.
— Porque ele não comprou, não. Ele roubou. Está entendendo?
Roubou. De mim!
— Não acredito.
— Ah, não acredita? Então pergunta pra ele. Bate na porta do
banheiro e pergunta.
— O Amleto não roubaria um telefone do próprio primo.
E Carol desligou de novo.
O cidadão deixou passar um tempo, enquanto se recuperava.
Depois ligou outra vez.
— Aloa.
— Carol, é o Tobias.
— Quem?
— O Taborda. Por favor, chame o Amleto.
— Ele continua no banheiro.
— Em que motel vocês estão?
— Por quê?
— Carol, você parece ser uma boa moça. Eu sei que você gosta do
Amleto...
— Recém nos conhecemos.
— Mas você simpatizou. Estou certo? Você não quer acreditar
que ele seja um ladrão. Mas ele é, Carol. Enfrente a realidade. O Amleto
pode ter muitas qualidades, sei lá. Há quanto tempo vocês saem juntos?
— Esta é a primeira vez.
— Vocês nunca tinham se visto antes?
— Já, já. Mas, assim, só conversa.
— E você nem sabe o endereço dele, Carol. Na verdade, você não
sabe nada sobre ele. Não sabia que ele é de Quaraí.
— Pensei que fosse goiano.
— Ai está, Carol. Isso diz tudo. Um cara que se faz passar por
goiano.
— Não, não. Eu é que pensei.
— Carol, ele ainda está no banheiro?
— Está.
— Então saia daí, Carol. Pegue as suas coisas e saia. Esse negócio
pode acabar mal. Você pode ser envolvida. Saia daí enquanto é tempo,
Carol!
— Mas...
— Eu sei. Você não precisa dizer. Eu sei. Você não quer acabar a
amizade. Vocês se dão bem, ele é muito legal. Mas ele é um ladrão, Carol.
Um bandido. Quem rouba celular é capaz de tudo. Sua vida corre perigo.
— Ele está saindo do banheiro.
— Corra, Carol! Leve o telefone e corra! Daqui a pouco eu ligo
para saber onde você está.
Clic.
Dez minutos depois, o cidadão ligou de novo.
— Aloa.
— Carol, onde você está?
— O Amleto está aqui do meu lado e me pediu para lhe dizer
uma coisa.
— Carol, eu...
— Nós conversamos e ele quer pedir desculpas a você. Diz que
vai devolver o telefone, que foi só uma brincadeira. Jurou que não vai
fazer mais isso.
O cidadão engoliu a raiva. Depois de alguns segundos, falou:
— Como ele vai devolver o telefone?
— Domingo, no almoço da tia Eloá. Diz que encontra você lá.
— Carol, não...
Mas a Carol já tinha desligado.
O cidadão precisou de mais cinco minutos para se recompor.
Depois ligou outra vez.
— Aloa.
Pelo ruído, o cidadão deduziu que ela estava dentro de um carro
em movimento.
— Carol, é o Torquato.
— Quem?
— Não interessa! Escute aqui. Você está sendo cúmplice de um
crime. Esse telefone que você tem na mão, está me entendendo? E telefone
que agora tem suas impressões digitais. É meu! Esse salafrário roubou
meu celular!
— Mas ele disse que vai devolver na...
— Não existe tia Eloá nenhuma! Eu não sou primo dele. Não
conheço esse cafajeste. Ele está mentindo para você, Carol!
— Então você também mentiu!
— Carol...
Clic.
Cinco minutos depois, quando o cidadão se ergueu do chão onde
estivera mordendo o carpete, e ligou de novo, ouviu um "Alô" homem.
— Amleto?
— Primo! Muito bem. Você conseguiu, viu? A Carol acaba de
descer do carro.
— Olha aqui, seu...
— Você já tinha liquidado com o nosso programa no motel o
maior clima e você estragou, e agora acabou com tudo. Ela está desiludida
com todos os homens, para sempre. Mandou parar o carro e desceu. Em
plena Cavalhada. Parabéns, primo. Você venceu. Quer saber como ela era?
— Só quero o meu telefone.
— Morena clara. Olhos verdes. Não resistiu ao meu celular, não
fosse o celular, ela não teria topado o programa. E se não fosse o celular,
nós ainda estaríamos no motel. Como é que chama isso mesmo? Ironia do
destino?
— Quero o meu celular de volta!
— Certo, certo. Seu celular. Você tem que fechar negócios,
impressionar clientes, enganar trouxas. Só o que eu queria era a Carol...
— Ladrão!
— Executivo!
— Devolve o meu...
Cinco minutos mais tarde. Cidadão liga de novo. Telefone toca
várias vezes. Atende uma voz diferente.
— Ahn?
— Quem fala?
— É o Trola.
— Como você conseguiu esse telefone?
— Sei lá. Alguém jogou pela janela de um carro. Quase me
acertou.
— Onde você está?
— Como eu estou? Bem, bem. Catando meus papéis, sabe como
é. Mas eu já fui de circo. É. Capitão Tovar. Andei até pelo Paraguai.
— Não quero saber de sua vida. Estou pagando uma recompensa
por esse telefone. Me diga onde você está que eu vou buscar.
— Bem. Fora a Divalina, tudo bem. Sabe como é mulher. Quando
nos vê por baixo, aproveita. Ontem mesmo...
— Onde você está? Eu quero saber onde!
— Aqui mesmo, embaixo do viaduto. De noitinha. Ela chegou
com o índio e o Marvão, os três com a cara cheia, e...

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