Luis Fernando Veríssimo
- Alô, Fulano? Desculpe por tudo.
- Desculpe por quê?
- Não sei, mas desculpe. Não lembro de mais nada depois que saímos para o Butikin.
- Mas nós não estivemos no Butikin.
- Então foi pior do que eu pensava. Escuta, quantos são os mandamentos?
- Da última vez que contaram eram dez.
- Eu só me lembro de ter desejado a tua mulher, deixa ver, levantado falso testemunho, roubado, desonrado meus antepassados por vários gerações… Até aí são quatro, só na sexta-feira.
- Mas você me deu uma grande alegria, disse que eu era um cara sensacional e…
- Então são cinco, menti também. Em todo caso, obrigado por me trazer em casa.
- Mas foi você quem nos deixou em casa no seu carro.
- Impossível, eu não tenho carro! Que noite…
A Loteria Esportiva institualizou o remorso. Você começa se martirizando por não ter adivinhado – meu Deus, tava na cara! – que o Palmeiras empatava com o Sergipe e termina desencavando culpas arqueológicas, dando toda razão aos fados por não premiarem o seu indigno, ignóbil, pretensioso, ridículo cartão da Loteria. E a Sena, você tem certeza, só sai para os puros de espíritos. Aí você jura que não bebe, não peca e não joga, nunca mais. Ou pelos menos até a próxima quinta-feira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário