sábado, 23 de abril de 2011

O Remorso

   Luis Fernando Veríssimo

   Deus criou o mundo em seis dias, descansou no domingo e na segunda se arrependeu. Desde então, a segunda-feira ficou consagrada como dia internacional do remorso. Dia de ardência no esôfago e segundos pensamentos. De telefonar para os amigos e avisar que não nos responsabilizamos por nada dito, feito ou sugerido das seis horas de sexta-feira à meia-noite de domingo. Nem pelas ofensas nem pelos elogios.
   - Alô, Fulano? Desculpe por tudo.
   - Desculpe por quê?
   - Não sei, mas desculpe. Não lembro de mais nada depois que saímos para o Butikin.
   - Mas nós não estivemos no Butikin.
   - Então foi pior do que eu pensava. Escuta, quantos são os mandamentos?
   - Da última vez que contaram eram dez.
   - Eu só me lembro de ter desejado a tua mulher, deixa ver, levantado falso testemunho, roubado, desonrado meus antepassados por vários gerações… Até aí são quatro, só na sexta-feira.
   - Mas você me deu uma grande alegria, disse que eu era um cara sensacional e…
   - Então são cinco, menti também. Em todo caso, obrigado por me trazer em casa.
   - Mas foi você quem nos deixou em casa no seu carro.
   - Impossível, eu não tenho carro! Que noite…
   A Loteria Esportiva institualizou o remorso. Você começa se martirizando por não ter adivinhado – meu Deus, tava na cara! – que o Palmeiras empatava com o Sergipe e termina desencavando culpas arqueológicas, dando toda razão aos fados por não premiarem o seu indigno, ignóbil, pretensioso, ridículo cartão da Loteria. E a Sena, você tem certeza, só sai para os puros de espíritos. Aí você jura que não bebe, não peca e não joga, nunca mais. Ou pelos menos até a próxima quinta-feira.

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