sábado, 30 de julho de 2011

Teatro do absurdíssimo

Cenário: Mesa de restaurante.
Cena: Dois amigos sentados, doutor Doctor e senhor Monsieur. Ao fundo gerente e garçom.


Doutor Doctor - Garçom, a conta !
Garçom - (Aproxima-se.) Mas doutor! O senhor já pagou a conta.
Doutor Doctor - Não discuta. O freguês tem sempre razão! Traga a conta que eu quero pagar.
(Garçom afasta-se.)
Doutor Doctor - (Ao seu amigo, senhor Monsieur.) Esses garçons andam terríveis!
(Garçom volta novamente com a conta.)
Garçom - Aqui está, doutor.
Doutor Doctor - (Pagando.) Toma. Pode guardar o troco.
Senhor Monsieur - Vamos embora.
Doutor Doctor - Vamos sim. Antes deixa só eu pagar a conta. (Chama.) Garçom!!
Garçom - (Aproxima-se.) Pois não, doutor
Doutor Doctor - A conta, por favor.
Garçom - Mas doutor! O senhor já pagou a conta duas vezes!
Doutor Doctor - Você quer discutir comigo, é?! Seu malcriado! Traga logo a conta que eu quero pagar!
Garçom - (Assustado.) Trago sim, doutor.
Doutor Doctor - Eu não estou dizendo? Esse serviço anda péssimo.
(Garçom volta com a conta novamente.)
Garçom - (Meio com medo.) Está aqui.
Doutor Doctor - (Pagando mais uma vez.) E não esqueça de guardar o troco.
(Garçom vai se afastando quando o doutor Doctor chama-o de novo.)
Doutor Doctor - Ah, garçom. E não se esqueça de trazer a conta.
Garçom - Por favor, doutor! O senhor já pagou a conta mais de três vezes!!
Doutor Doctor - (Levanta-se e vai saindo furioso.) É um absurdo ter que discutir com este garçom! Nunca mais ponho meus pés neste restaurante!!! (Sai.)
Garçom - Mas eu não entendo...(Confuso.)
(Aproxima-se o gerente e pergunta.)
Gerente - Afinal de contas, o que foi que houve?
Senhor Monsieur - (Que continuou sentado.) Nada, não. É uma mania que meu amigo tem de ficar pagando conta. Toda vez que eu saio pra almoçar com ele é a mesma coisa. Quer pagar a conta sempre. Mas agora pra mim chega. Hoje quem paga sou eu. Garçom a conta!




Jô Soares. O astronauta sem regime.
Porto Alegre, L&PM, 1983.
  

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